A GRIPPE READY-MADE: CONSIDERAÇÕES ACERCA DA OBRA DE VALÊNCIO XAVIER E MARCEL DUCHAMP

Rodrigo Vieira

O discurso e as mensagens que ele transmite estão sujeitos a critérios históricos e sociais, foi o que provou o dadaísta francês Marcel Duchamp. A partir do final do século XIX os artistas passaram a buscar novas formas de expressão: poetas, pintores, músicos e muitos outros, exploravam os limites do fazer artístico buscando a inovação do (ainda) não-dito. Duchamp inovou ao lançar o conceito de ready-made – obras de arte feitas a partir daquilo que era visto como não-artístico. O artista provocou a sociedade de sua época ao defender que a arte poderia ser feita a partir de objetos que, à primeira vista, nada possuíam de artísticos. Assim, uma roda de bicicleta ou um urinol tornaram-se, dentre muitos outros, peças artísticas, num gesto que foi visto por muitos como um xeque-mate às concepções de arte vigentes até então. Duchamp provou que os sentidos podem ser alterados de uma época para outra. Seus ready-made surgem num momento de descrença, num período em que os artistas e intelectuais rejeitavam os valores da sociedade e pregavam uma negação de tudo aquilo que era visto como arte no período em questão. Por sua vez, a literatura produzida por Valêncio Xavier em sua novela ‘O Mez da Grippe’ (1981) comunga em vários aspectos com a teoria dos ready-made de Duchamp. Xavier constrói sua narrativa a partir de recortes de jornal, anúncios publicitários e fotografias do início do século passado para recontar o cotidiano de uma Curitiba assolada pela gripe espanhola em 1918. Sua narrativa se constrói partindo do principio que os sentidos são moventes e assim, intercalando suas colagens ele consegue, quase um século depois, construir uma obra plurissignificativa provando que objetos do cotidiano – como fotografias, recortes de jornais e anúncios publicitários – podem ser usados para se produzir uma literatura marcada por uma extensa gama de interpretações e reinterpretações, numa espécie de álbum de colagens detentor de vários sentidos. O presente artigo se propõe a analisar o entrecruzamento entre as produções artísticas dos dois autores, provando que, na busca pela renovação da linguagem artística, o que à primeira vista pode ser classificado como não-artístico pode servir de matéria-prima para se produzir arte, ou seja, a subjetividade artística feita a partir da objetividade do real.