OS MITOS LITERÁRIOS E O FAZER POÉTICO: A MIMESE COMO FORMA DE POIESE EM OS LUSÍADAS
Elri Bandeira de SOUSA - UFCG
Partindo de dois conjuntos de mitos literários conceituados por Philippe Sellier e apresentados por Pierre Brunel no Dicionário de mitos literários, quais sejam, os mitos literários originados da díade Atenas e Jerusalém e aqueles de origem político-heróicos que retomam figuras históricas, cujas trajetórias têm forte apelo épico, propomos uma análise de alguns aspectos de Os lusíadas, de Camões. Essa epopéia, de acordo com o que preceitua a estética renascentista e a onda de nacionalismo vivida em Portugal à época de sua expansão marítima, canta os feitos lusitanos como superiores aos dos antigos gregos e romanos e apresenta o povo português como cumpridor de desígnios da Providência. Nesse sentido, os mitos antigos assimilados ao poema conferem grandeza à matéria cantada, mas, ao mesmo tempo, dele participam como elemento de comparação, servindo para realçar a superioridade dos feitos realizados pelos descendentes de Luso, representados pela figura de Vasco da Gama. Além dessa função, os mitos clássicos assumem outro papel: Baco defende a manutenção de seu culto no Oriente e é representado como uma figura do mal, que tenta impedir o avanço da fé cristã; Vênus não é aqui apenas a deusa do amor que promove recompensa aos heróis na Ilha dos Amores: ela representa, ao contrário de Baco, a razão, o equilíbrio, a verdade. Como mito gerado por uma longa tradição – a da imitação da estética pagã – e gerador de uma outra, fundamentada no nacionalismo cristão português, Os lusíadas abrem um novo ciclo na literatura portuguesa, talvez só superado pelo ciclo da poesia de Fernando Pessoa.