SOBRE GRIPPE E ESQUECIMENTO: VALÊNCIO XAVIER E WALTER BENJAMIN

Rodrigo Vieira

Em suas teorias estéticas, o filósofo alemão Walter Benjamin defendia que, com a consolidação do modo de produção capitalista e o aperfeiçoamento das técnicas de produção e reprodução das obras artísticas, a literatura sofrera certo empobrecimento. O filósofo apontava que o antigo narrador – que transmitia experiências e aprendizados com suas histórias – cede espaço a um romancista solitário que pouco ou nada tem a dizer para um público leitor que, por sua vez, nada quer aprender. Esse conjunto – um romancista que nada diz e um leitor que nada quer saber – acarretou em uma literatura escapista, produzida tendo em vista apenas o lucro por parte de quem a concebe e o mero entretenimento por parte de quem a lê. No entanto, analisando a obra de autores como Nikolai Leskov e Charles Baudelaire, Benjamin defendeu a tese de que uma nova narrativa surgiu, uma narrativa oriunda dos escombros das antigas formas de narratividade, uma manifestação que sobreviveu aos caóticos ventos do capitalismo, e o novo narrador, agora numa posição mais marginal – como um trapeiro ou um sucateiro – volta a transmitir a experiência e, além do mais, tem a missão de guardar, colecionar e preservar aquelas personagens ou temas que a sociedade capitalista busca esquecer. É nesse contexto que se insere o tipo de narrativa literária feita por Valêncio Xavier em ‘O Mez da Grippe’ (1981): partindo do entrelaçamento entre recortes de jornais, fotografias, depoimentos de sobreviventes e anúncios publicitários do início do século passado, produz uma novela a partir das colagens desses fragmentos, construindo uma narrativa que retrata uma Curitiba assolada pela gripe espanhola em 1918, buscando resgatar a voz dos esquecidos, Xavier produz uma literatura marcada pela sofisticação e o experimentalismo. O presente artigo se propõe a discutir os conceitos de estética narrativa segundo Walter Benjamin, a partir da análise da novela ‘O Mez da Grippe’, de Valêncio Xavier, que busca resgatar os rostos anônimos de uma Curitiba esquecida no tempo. O trabalho busca mostrar que a narrativa de Xavier condiz em vários aspectos com alguns pontos ressaltados por Walter Benjamin em suas teorias estéticas e se destaca como uma literatura que luta para preservar fragmentos de memória que a sociedade que apagar de sua lembrança.

Palavras-chave:
Walter Benjamin. Valêncio Xavier. Literatura. Esquecimento.