ATALHOS DO DISCURSO: ENTRE A NORMA, A INTERPRETAÇÃO E AS CONDIÇÕES DE USO

Érica Renata Clemente Rodrigues - UERN
Ailla Kartienne Lima de Morais - UERN

As políticas educacionais desde os anos 90 têm como marca principal a tentativa de transformar as ações governamentais em grandes consensos da sociedade. Dessa maneira, qualquer política oficial é apresentada como uma necessidade do mundo atual, acompanhado por um clamor dos educadores e da sociedade como um todo. Recentemente, discutimos a reforma do ensino médio no interior cearense, no nordeste brasileiro. No processo de coleta de dados, especificamente na fase de entrevistas com os professores sobre a reforma, detectamos um desencontro entre o que trazia a reforma e o que os professores apresentavam como suas características principais. O desencontro mais claro, diz respeito ao currículo. Vimos que, segundo a fala de um professor entrevistado, o currículo ainda é imposto pelos órgãos governamentais responsáveis pela educação. Como sabemos, no entanto, desde a LDB de 1996 já consta o estabelecimento de Diretrizes Curriculares para a educação básica, em substituição ao currículo mínimo anterior deixando a escola com uma tarefa mais complexa para decisão e elaboração de elementos curriculares. Tal flexibilidade, assim, objetivava dar autonomia as escolas, principalmente autonomia curricular, deixando a cargo do Ministério da Educação e do Conselho Nacional de Educação a tarefa de orientar o estabelecimento do currículo. Pois foi justamente dentro da mesma lógica de autonomia e de foco na escola e no aluno que foram instituídas as Diretrizes Curriculares para o Ensino Médio, divulgado como a reforma do ensino médio. Desse modo, a fala do professor, que percebe uma imposição dos órgãos oficiais diretamente no currículo escolar como um dos elementos da reforma, parece não compreender o sentido das leis ou, no ponto de vista que pretendemos defender, ele percebe que a escrita legal não faz parte da realidade escolar em que ele atua. Assim, seja qual for a realidade do professor, seu pensamento revela, por um lado, que o discurso do consenso, de clamor da sociedade pelas reformas, não encontra defesa quando partimos para dentro dos muros da escola e para dentro da sala de aula e, por outro lado, que a reforma veio sem os elementos necessários para a sua implementação. O professor estabelece um caminho entre a norma e a realidade, um atalho para a crítica ao discurso oficial.